De alguma maneira
eu sei que você atravessará meu amanhecer, 
como quem atravessa as ruas 
que nos separam.
Eu sei que você atravessará meus versos 
como um raio que atravessa verdes montanhas, 
como uma flecha que atinge em segundos 
o centro da maçã sobre a cabeça, 
eu sei – e meus músculos todos sabem – 
que você atravessará tempestades e trovões, 
primaveras obsoletas, jardins de amianto, 
sombras e sonhos, marés e manhãs;
você atravessará e virá até mim 
como uma esperança, como uma criança 
procurando a mãe, como um pássaro 
que encontra sua árvore, 
você virá até mim e, através de você, 
eu irei aos limites do sonho, 
aos trâmites da água marinha.
Através de você, eu sei que irei  
pra dentro de mim, entre minhas tripas, 
nas trevas mais profundas de minha alma, 
nos caminhos oblíquos do vento, através de você, 
e atrás de longas eras, 
de luas errantes, de átomos,
 de sono, de susto, de
outono.
De alguma maneira 
eu sei que você atravessará 
e, através de você, eu sei que irei 
até mim, despido de angústia, 
solto pela poesia de seus movimentos 
na órbita do amor 
e da comédia.