29 December, 2012

O FIM DE UM AMOR E DE UMA CASA

E esse amor cobra medidas
Exige ao menos
Uma difusa simetria,
Ao menos a rima inexata
Que ata, desata
Os astros e as tramas.

A cama lavada depois do coito.
Os lençóis ardendo no fogo
E as chamas fluindo pela manhã,
Arrastando nossa carne;
Criando fendas, fodas e feridas
Através das paisagens apagadas
Uma casa demolida, que guarda
Nossos restos, nossos fetos desfeitos.

E nossos peitos não se encontram mais.
Estamos no limiar do horizonte.
E o sol extravasa suas labaredas
Vamos nos queimar! Vamos nos queimar
Através da luminosidade da lua
Porque a noite é sombria sem nós,
Sem os nós que poderiam atar-nos:
As cordas de um violino, simulando
Um cordão umbilical.

E esse amor é como uma corda,
A coda de uma sinfonia.
Dois trechos que se imbricam
Ombro a ombro, entre atos.

Está contido, é e contem
A cama ardendo no fogo
Os lençóis lavados depois do coito.
Uma casa demolida, a carne desfeita
E os peitos desencontrados.

14 December, 2012

DESAPEGO

Desapegar, pegar abismos.
Soltar o vento.
Sentir que essa vida
É assim:
Uma perda constante
Um ganho provisório
Uma pedra implausível
Castelo de espumas.

Só é possível abandonar.
Só é possível abonar os outonos
E sofrer com os contrastes do labirinto

Ainda sim, desapegar.
Soltar aquilo em que se acredita
Em busca de uma essência
Que, talvez, nem haja;
Que, talvez, seja essa mesma:
Uma busca, uma música
Inútil, flor sem fundamento.

Soltar, deixar ir...E morrer
Vendo-se alijado, entregue
Aos porcos e às pérolas...

E castro meu coração
Arrasto os fatos para o destino,
Como um clandestino, um clã
Das eras idas, que sempre
Retornam quando se pensa
Que a civilização avançou

Um clã, uma lã
Que enforca
Todas as estradas que eu tenho
As que ainda me restam
O sobressalto de um grito sobressalente
O outono e seus túneis
Os tonéis da memória.

Desapegar,
Apegar aos desastres
Fazer deles uma foz de lágrimas
De lágrimas soltas
Um rio de nuances
Dança em meus pensamentos
Como um dardo obtuso
Uma asa sobre a primavera
Em ciclos, circunscritos á maré

Ciclos que se desapegam
Que se prendem sobre a neblina
(A tarde cai)
Os sinos do abismo
Estão em uma estrutura
Que se forja no rompimento de um músculo,
Uma veia, um vértice,
Um vulto.
Um ciclo constante de desapego
Sobre os pregos da Cruz.

11 December, 2012

OS LÍRIOS

os lírios crescem ao longo das margens
de um rio profundo que escoa em silêncio
entre as pedras que amanheceram sem remorso
no dorso das montanhas de fogo, em silêncio...

07 December, 2012

A CURVA (Canção provisória à Oscar Niemeyer)

não houve curvas que
sustentassem
teu leito, tua alma
s
i
n
u
o s a,
monumento ao sonho
de um povo;
às curvas
das mulheres da praia;
às montanhas do Rio, que
cintilavam sobre a oblíqua fumaça
do seu charuto;
tudo aquilo que gostavas...
que gostamos, pois és um de nós....

em seus últimos instantes
dizem, ainda pensavas em projetos
(querias estender a vida
através deles?)

talvez soubesses
que nós te perderíamos
antes do necessário...
por isso,
penso eu, combinavas com o Criador
(mesmo não acreditando nele)
um monumento,
um contrato para outras
obras...
para um mundo justo,
que não podes ver.

Contudo, não penses
que deixaste obra incompleta;
deixaste apenas obras
que vislumbram um Brasil
que se interrompeu,
mas,
    sobre o qual,
por confuso que pareça,
nutrias esperança
que, alguns de nós
  • mesmo os fortes -
    não conseguimos ter

sua principal obra
(a derradeira)
construiu-se ao longo de semanas
em um leito branco
(como tantos de seus monumentos)
de hospital:
esperança, uma frágil
escultura,
a ser moldada diariamente
com os entulhos
da contradição

03 December, 2012