31 March, 2013

PARA NÃO ESQUECERMOS O 31 DE MARÇO DE 1964

Para não esquecermos as mães,
a lembrança se faz conforto.
Para não esquecermos os filhos,
o conforto se faz esperança.
Para não esquecermos a luta,
a esperança se faz reluzente
como uma vela, um amanhecer. 

29 March, 2013

MIRAGEM DO EXÍLIO



Do que vemos, resta apenas
as penas do passado,
a culpa talhada na alma,
a palmeira abandonada,
flores macias entre azulejos,

do que vejo, resta muito
daquilo que outros viram anteriormente
com os olhos manchadas de abismo,
com as miragens do exílio,
imagens do lado de fora,
auroras inteiras se descortinando
ao longo da rua nua,

do que vejo, resta a festa,
o riso estanque que se presta
a uma ironia de palhaço
em um circo multicor sobre as retinas,
sobre as retinas do deserto,
sobre as retinas do mar,
entre as pálpebras extintas,

do que vejo
e do que vemos
resta a miragem do exílio,
a mensagem do ocaso,
ocaso sobre as retinas,
entre as retinas do porto. 

27 March, 2013

INDAGAÇÃO


Eu não sei qual marca
Você vai deixar em mim:
Uma ampla ferida?
Uma descoberta?
A porta aberta para a rua?

Eu não sei qual imagem
Que vou reter de você
Apenas sei que o caminho para o amor é longo
e permeado de tardes culposas como essa.

Eu não sei se vou reter
A marca que você deixará em mim,
Apenas quero que você saiba que minha procura
transcende as paredes do seu corpo.

26 March, 2013

LAGO AMARGO


As águas do olhar fluem para um lago amargo
E as águas desse lago sobem aos céus todo o verão;
Nas alturas, essas águas amargas se encontram
E, sobre a terra, precipita um princípio de tristeza.
A partir disso, surge outro lago, ao lado do amargo;
Um lago feito de águias cristalinas, que fluem
Da mesma maneira entre os céus, ao lado das águas do olhar
As águias e as águas se misturam, num périplo inconsistente. 

24 March, 2013

VAMPIRISMO


Quantas vezes eu já senti seu corpo?
Quantas vezes eu não falei de amor?
Quantas vezes, quantos meses, eu já passei
Sem dar meu sangue para seu deleite
Um banquete que não pude provar

Quantas vezes você já sentiu o meu corpo?
Quantas vezes você não falou de amor?
Quantas vezes, quantos meses, você já passou
Sem me dar os restos do seu banquete
Em um deleite que jamais vou sentir. 

19 March, 2013

TRAVESSIA PARA A INTIMIDADE


De alguma maneira
eu sei que você atravessará meu amanhecer,
como quem atravessa as ruas
que nos separam.

Eu sei que você atravessará meus versos
como um raio que atravessa verdes montanhas,
como uma flecha que atinge em segundos
o centro da maçã sobre a cabeça,

eu sei – e meus músculos todos sabem –
que você atravessará tempestades e trovões,
primaveras obsoletas, jardins de amianto,
sombras e sonhos, marés e manhãs;

você atravessará e virá até mim
como uma esperança, como uma criança
procurando a mãe, como um pássaro
que encontra sua árvore,

você virá até mim e, através de você,
eu irei aos limites do sonho,
aos trâmites da água marinha.

Através de você, eu sei que irei 
pra dentro de mim, entre minhas tripas,
nas trevas mais profundas de minha alma,
nos caminhos oblíquos do vento, através de você,

e atrás de longas eras,
de luas errantes, de átomos,
 de sono, de susto, de outono.

De alguma maneira
eu sei que você atravessará
e, através de você, eu sei que irei
até mim, despido de angústia,
solto pela poesia de seus movimentos
na órbita do amor
e da comédia.

17 March, 2013

SOMATÓRIA

A lua branca,
que estremece no céu,
é um fragmento
do seu sexo.

A noite,
com suas ambulâncias e vielas,
é um fragmento
do seu sexo.

A janela estreita,
por onde só se vê a lua,
é um fragmento
do seu sexo.

E a soma da lua branca, 
da noite com suas ambulâncias
e vielas,
da janela estreita por onde só se vê a lua
e das minhas metáforas
formam por inteiro
o seu sexo

nuvens plangentes...

16 March, 2013

PARA UM CORAÇÃO INCIPIENTE


Coração, você ainda precisa
entender o peso dos dias
antes de se lançar ao amor,

entender que a espera é apenas
uma esfera do sonho,
e que sonhar é permitir a si mesmo
um pouco mais de esperança.

Coração, você ainda pode esperar
o desabrochar de outra manhã...
certamente ela vira, virá acumulada
de tantas certezas, tantas razões;

e você saberá que as coisas têm sentido
naquilo que, muitas vezes, engana os sentidos
e nos faz perceber o encanto, como em um conto...

12 March, 2013

AMANHÃ TALVEZ


Amanhã talvez exista entre nós
Um pôr-do-sol renitente,
Entretanto o que existe hoje é uma lua amarga
Que se estende sobre nossas cabeças,
Que nos atraí ao centro da noite.

Amanhã talvez exista entre nós
Um ritmo de pernas sobre o lençol,
Entretanto o que existe hoje é só mais uma madrugada
Que se estende sobre nossos corpos,
Que nos atraí ao centro do dano.

Amanhã talvez exista entre nós
Um amanhã, um horizonte em comum, incomum.
Entretanto o que existe hoje é a neblina negra
Que se estende sobre nossas retinas,
Que nos separa da imensidão...

Inefável imensidão do amor. 

06 March, 2013

CONVENCIONOU-SE CHAMAR DE AMOR


Convencionou-se chamar de amor
aquela dor imprevista que nos invade,
aquela lágrima que caiu sem querer,
aquele dia morto em que tropeçamos em todas as palavras;

Convencionou-se chamar de amor
aqueles olhos de espuma que se derramaram sobre a noite,
aquelas estrelas que apenas a miopia reconhece,
aquela luz, aquela luz dos caminhos e das lembranças,

convencionou-se chamar de amor a serenidade no tumulto,
a paz na guerra, a guerra no sonho,
aquela manhã que se interrompeu sem telefonemas,
aquela manhã fora do calendário onde lendas se perpetuam,

convencionou-se chamar de amor a chama do beijo,
o chamado tácito das águas,
a tempestade sobre as cartas românticas,
a lua de Abril sobre um céu de maçãs,

convencionou-se chamar de amor
até mesmo as flores que não convenceram...

03 March, 2013

NA PLENITUDE DA MANHÃ


deitado na plenitude da manhã
lanço o olhar à mim mesmo,
a rota do meu ego está traçada,
só me resta adentrar,
nos desdobramentos
dessa fatalidade, oriunda
sabe-se de que instância
ou período de essência...