31 March, 2006

A DÚVIDA

A DÚVIDA

Não consigo atravessar o silêncio e expor a alma ao convívio.
O ventre aberto do tempo mede cada passo meu e eu não posso recusar este pedido: retidão.
Principalmente quando tudo aqui fora explode em tumulto.

Abreviar a jornada do pensamento e poder dormir...
Abreviar, com doses de certeza, a dúvida e as flores do olhar.
Poder ter calma, principalmente quando o caminho se desfez.
E os pés ainda estão lá, marchando e renascendo...

Sempre, e com mais força, dissolver o labirinto incólume do engano.
Poder expor -sereno e justo- o olhar, mesmo que a paisagem suma.
E, entre uma e outra lua, poder amanhecer os olhos.
E acordar com estrelas dentro dele.

28 March, 2006

NOS DIAS FRIOS

NOS DIAS FRIOS

Comum nos dias frios,
a solidão me bate a porta
quando
estou absolutamente
acompanhado.

Embevecido com as luzes da cidade,
estremeço só de pensar
que o caminho
ainda não se completou.

Os homens não se libertaram
Os mais velhos preferem dormir.
Os mais novos já não sonham.
Preferem dormir.

Voam sobre o céu de chumbo
as águias e os crimes,
sobre a sombra do mar
voam cidades
e homens como eu:
absolutamente acompanhados.

Já mudados pela cidade,
eu e esses homens
voltamos aos antigos casebres
que consumiam as paisagens do olhar
nos dias frios,
que ainda não se completam.

Eu e esses homens voltamos ao caminho
(que não se completa)andando com o tempo,
criando paisagens que nos voltam.

23 March, 2006

ATMOSFERA

ATMOSFERA

Eu só me lembro que levantei...
O susto foi tamanho que eu nem abri os olhos. Não sabia se haviam nuvens ou cidades me rodeando. Eu só me lembro que levantei assustado e embevecido com os barulhos que vinham de fora, de longe da cidade que eu não via. O som de nuvens se roçando, das partículas de água na vidraça. A violência desses elementos me fazia pensar profundamente sobre a natureza: tanto a que estava na vidraça, como a que eu ouvia lá fora em forma de pequenas gotas.
Eu só me lembro que, ao abrir os olhos, pude notar que o ambiente ao meu entorno era outro. Tudo havia se convertido em esfera, em círculos amplos e vazios que se encontravam. Eu girava num espaço que Newton não reconheceu, que a Geografia não presenciou. Mas, ao mesmo tempo, tudo ao meu redor se opunha á esse ritmo...Não, eu não podia mensurar as velocidades, estabelecer qualquer raciocínio sobre as formas. Tudo estava tão perto e escondido - as formas passadas eram conceitos indigestos que talvez não figurariam em um dicionário.
Era estranho o modo como as coisas ocorriam: uma simples chuva na janela me levou para outra estrutura, menos rígida e tácita que essa. Pude ver que o crescimento das coisas era muito mais vontade do que biologia. A chuva aumentava mais por seu anseio em expandir do que simplesmente pelo choque de nuvens que a originava. Com isso, revi meus pensadores. Notei que eles diziam essas coisas para que eu mudasse, para que eu botasse pra fora de mim o dragão adormecido, o leão que conquistava a presa pelos olhos.
Então chovi. Chovi com a mesma vontade das plantas que cresciam no meu jardim e na memória. Chovi sobre a cidade, um dilúvio sem precedentes se originou. No fim, eu acabei chovendo sobre minha janela depois de ter levantado de olhos fechados.

14 March, 2006

LÁGRIMAS DA ALMA

LÁGRIMAS DA ALMA

Hei de voltar a mim, olhar no espelho
e ver que os olhos não choram
e o coração não pulsa
a mesma sinfonia de outrora.

Hei de voltar a mim e sentir de novo
a penetração da flecha,
o ruído tácito das lágrimas;
das lágrimas da alma.

Hei de sentir em mim a mesma dor-
absurda e séria -do passado.
Chorarei igual a um violão,
que toca as tristes notas de um tempo.

E assim, somente assim, poderei
dizer que o amor é cego;
pois ele não me alcança
mesmo quando eu me aproximo.

03 March, 2006

HORIZONTE MUDADO

HORIZONTE MUDADO

O horizonte brota do meio da vida e consome cada pedaço do olhar. Tento dividi-lo com a calma e a pressa de qualquer manhã, apenas para ter certeza de que não o perdi. Com os olhos esparsos e a cabeça tímida sigo a olhá-lo. Subitamente, ele enegrece. Vejo que nele pequenas manchas se fundem, em contornos e formas completamente absurdos.
Sobre ele surgem experiências, fluídos e distorções projetadas.O rastro lúcido de seu aparecimento dissolve-se num emaranhado de formas que já se misturam ao meu dia. Prédios, áreas alugadas, vertentes de um morro. Cada coisa junta-se á minha memória e faz com que eu respire o tumulto urbano, povoador óbvio do horizonte.
Talvez eu perca de vista qualquer detalhe desses, tamanhas são as elucubrações que se pode tentar. Muito embora o rastro do horizonte ainda esteja em mim, eu não posso assimilá-lo como se assimila uma dor ou um beijo. Posso sim, tentar olhar por fora e por dentro do que ele me revela e absorver a última gota de certeza que ele exala. Assim, ele voltaria a mim na sua forma mais sincera: a lembrança do que nunca foi.

01 March, 2006

TERRÍTORIO AFÁVEL

TERRÍTORIO AFÁVEL

Você me observa
com seus olhos claros
só pra saber se estou vivo.
Pois bem, eis aqui:
sonhos em riste,
cabelo armado de idéias
prontas pra te derreter.
Consumir seus olhos e
deixar dentro deles
uma semente de fuga,
uma placa dizendo:
território sob meu domínio,
propriedade da noite
e dos instintos.

O AMOR FUNCIONA

O AMOR FUNCIONA

Eu grito com a vida :
quero amá-la,
mas não temo sua sorte,
seu rosto velado
sobre a manhã.
Isso prova que o amor funciona
como um susto,
uma vértebra da alma.
O amor funciona
como uma voz
para esse meu silêncio.