30 June, 2013

TEMPOS

O tic-tac do relógio ponteia
As horas mortas da noite.
O calendário, sempre tão preciso,
Indica o término do mês.
Sobre a mesa, cadernos lembram
Os compromissos que eu já deixei.

Ante a essa frágil certeza
Não há músculo capaz
De demover a pedra do tempo,
Nem alma que possa
Abstrair seus efeitos e negá-lo.

 Há somente essa constatação:
“A vida passa”. Passa pela gente
E nos modifica sem mover,
E nos move ao desconhecido,
As torres que aparecem na paisagem
E aquilo que a miragem revela.

Talvez sejamos isso mesmo: só poeira.
Ou talvez sejamos sempre sonho.
No fundo, é nossa noção de tempo
Que nos lembra o que somos.
Não fosse ela, certamente não saberíamos.

Construímos a vida em função dessas certezas
E morremos muitas vezes sem encontra-las,
Todavia – sem perceber – levamos conosco
A noção de tempo que desenvolvemos.

24 June, 2013

INSIGHT

O verdadeiro amor é sempre aquele que está incompleto,
é quando a rua gira em falso debaixo dos pés...

Não se vislumbra o tumulto quando o coração descobre essa verdade.

Apenas o silêncio contesta as horas perdidas em delírios profundos.
No mais, há sempre o remanso...a sombra da lua dentro do mar.

Mas não há mar passando perto de casa. Há apenas a ideia do mar.
A ideia do amor sobre minha cama, ao meu lado.

O verdadeiro amor tem essa espuma de mar...essa esperança
Que define resume todas as retas a um ponto no abismo.

E não se vislumbra o abismo da janela de um quarto,
somente quando a madrugada convida ao amor e o amor não responde.

Entretanto, a busca profunda prevalece como uma planta
que nasce entre as rochas, que cresce sofrendo.

O verdadeiro amor é essa busca, que não se vislumbra sobre um poema.

22 June, 2013

SE HOUVESSE AMOR


Não provei o beijo amargo.
Não mereci sua redenção.
Enquanto permaneces na tempestade
Eu procuro a claridade
Em mim mesmo.

Poderíamos ser felizes se houvesse
Outro tipo de tristeza em nossos olhos.
Mas eu, ao me sentir radiante,
Roubava a nesga de luz que precisavas.

Não pude saber como me amarias.
Como passaríamos os dias que nos faltam,
Como nos faltará o amanhecer,
E como o amanhecer preencheria
A latência da carne e da memória.

18 June, 2013

PROTESTO

Reivindico o amor.
O direito de amar
aquilo que o coração esquece.

Os olhos mansos
da musa,
os contatos da carne
com a noite.

É isso o que eu quero.

Luto no front.
Saio as ruas.
Reivindico o que sou
para mim mesmo
e ao mundo.

Sou quem está do meu lado
lutando comigo.

 
Rosa de outono,
outros expedientes
que me impediram de reivindicar
o amor,
o tempo.

Reivindicar o tempo
seja como demanda
ou utopia,
o tempo e o amor
como respostas á bomba
e ao medo,

o direito de usufruir
toda a nudez
(inclusive a da alma).

Eu protesto
por estradas,
avenidas,
pronomes.
E tudo o que
está sob as pálpebras
da esperança
e aos olhos da lua.

16 June, 2013

CADA NOVO CICLO


Cada novo ciclo doí um pouco,
As vezes me pego lamentando.
Sei que eu não deveria, mas foi tanto
O amor que me trouxe maior vida;

O amor que trouxe maior vida
Que hoje é outro rastro sobre o tempo,
Rastro que não saí, serve de alento
Quando penso que não há saída.

E quando penso que não há saída
Negligencio o encontro comigo mesmo,
Sigo, tal como barco, a deriva ou esmo,
Dando adeus no ponto de partida.

11 June, 2013

GARATUJA

Escrevo seu nome
com a mão esquerda
e, de repente,
sai uma garatuja
que somente eu decifro,
que somente eu entendo.

Quando o tempo passar
talvez percebam
que era seu nome
sobre aquela cartolina
azul.

Então verão que perto de ti
eu me portava como uma criança,
conhecendo o misterioso alfabeto
dos seus nervos.

03 June, 2013

OLHO PARA A SIMETRIA ALEGRE DOS SEUS OLHOS

Olho para a simetria alegre dos seus olhos
E as janelas de minha pele se abrem.
Sinto as fibras renascerem como rosas de carne
Sobre as rotas da intimidade

Olho para a simetria alegre dos seus olhos
Enquanto meus dedos dançam sobre você
Como uma esteira. Estou rodando sobre ela
Enquanto os mapas se formam em um papel vermelho
Como rosas da rua.

E a urgência de olhar para o seu corpo,
Ver nele a mesma simetria dos seus olhos.
(Simetria alegre, véspera de outono)

Olho para a simetria alegre dos seus olhos,
Das janelas de sua pele ampla como um congresso de nuvens,
Como a lua sobre as lentes de um binóculo.
Sua pele, seus apelos, sua pele de apelos
Me convidando de volta para mim mesmo.
(Sobre seus úteros é que se desenvolve o meu afeto).

E eu olho para a simetria alegre dos seus olhos
Enquanto sou tirado a fórceps de suas pernas.
Você não percebe, mas há um fogo primitivo,
Sobre a transição das etapas.