25 December, 2008

11/10 - CANÇÃO INESPERADA Á SÉRGIO SAMPAIO

1.

Eu também queria botar meu bloco na rua.
Noite adentro, nesse carnaval.
Carnaval de sangue e asfalto,
com data marcada pra acontecer.

Eu também queria ser aquele que disse,
que confirmou, imprimiu, sonhou
com a cidade
e a velocidade
do trem que partiu
para um distante carnaval
em Cachoeiro
do Itapemirim.

Mas não sou aquele que disse.
Sequer sei se sou eu mesmo ou um poeta
de ritmos fáceis, em busca de um discurso
incompleto...

"Eu tenho o corpo fechado
Que soltem as feras
Diante da mesa"

É quando você me mostra
que imagens são dardos de fogo,
ardem na alma
como canções de medo
em qualquer Filme de Terror.

2.

Há uma cidade em cada microssulco
da lembrança,
uma cidade imprópria, impressa,
disforme.

Uma cidade dentro de um pâncreas
(Não é a mesma Cachoeiro do Itapemirim)
Nela os carnavais são outros.
Blocos? Não há.
Sequer há samba
Para esquentar o esqueleto.

Há apenas terra
e a distância dos que ficam
em 1994,
esperando você retornar
como uma nave
extraterrena ou não.

"Um satélite perdido,
Um delírio coletivo,
Um balão de São João.”

Sou só um Zebedeu tentando uma trova inesperada.
Me mande calar a boca, se você quiser.
Me mande morrer, se preciso for.
Mas ao menos permita que esse verso
seja como a faixa seis
do seu ultimo LP.

Que ele soe desimportante
na vitrola do tempo...
Para que homenagens como essa sejam palha diante do fogo
de suas canções.

E, que sendo palha, as homenagens
durem o tempo exato de uma combustão...


3.

Talvez apaguem a tocha do esquecimento.
O fogo que te consumiu.
E que finalmente nossas veias possam sentir o sangue alcoólico que vem de ti.
O sangue inebriante.
Um convite feminino para dentro.
Dentro do negro labirinto, que é azul, doce e voraz.
Um labirinto com a profundidade dos seus olhos.
Nesse país de falsos heróis.
Onde são poucos os que te veneram.
E ouvem sua poesia escancarada, sem retoques, sem receios.

Sua poesia entra em meus cabelos e derrama fossa.
Sua fossa entra em minha poesia e derrama bossa, rock e toada.
E tudo, tudo, Outubro e nada, nada do que eu disse anteriormente.
Sua poesia, sua bossa, seu copo vazio.
Seu desafino.
O desafio de te escrever.

Talvez apaguem a tocha do esquecimento
e acendam as luzes do bar, ponham um violão perto da mesa,
e possam de deixar
em paz,
ou em algum lugar perto das lembranças;
onde nunca te deixaram viver...

06 November, 2008

LÍQUIDA COMPARAÇÃO

LÍQUIDA COMPARAÇÃO

Não importa o tamanho da saudade.
Carrego todos em meu coração.

É difícil deter
a força de um rio,
mais difícil é deter
essa lembrança, essa lembrança
que escapa das páginas
do meu pensamento...

É muito mais díficil
conter em si
a grandeza de um rio que extravassa,
por isso mesmo que carrego dentro de mim
a água desse instante.
Pois um rio se forma aos poucos.
Gota a gota, talvez...

O tamanho da saudade é esse rio,
esse rio que não posso deter.
Se é grande ou pequeno,
pouco importa... eu carrego.

Eu carrego tudo em meu coração,
até mesmo a água que não quero:
A lágrima de um adeus inesperado,
no oceano de dores desse peito.
Mas como toda a água, mesmo podre,
evapora, esse oceano de dores
evaporará.

01 October, 2008

POR UM CAMINHO COMUM

Por quase um mês andei por tantos lugares e vi tanta gente que cheguei á conclusão que não há saída possível para a humanidade senão a solidariedade. Não estamos sozinhos no planeta, sequer somos os únicos da galáxia. Todos nós estamos ligados á vida por fios tênues de ódio e amor, fios de sangue e de luz.
Essa vida que nos une, nos amarra, pede respostas de nossas ações. A única resposta possível é o sonho comum, que todos deveriam ter o direito de sonhar: direito á casa, ao carro, a hora vaga, ao pensamento. Quem sabe se o homem um dia, quando o homem descobrir que é imperfeito, ele possa ter noção desse sonho.

Temo que seja tarde demais...

15 August, 2008

CHAGA SAGRADA

CHAGA SAGRADA

Do mesmo modo que aprendemos o amor,
aprendemos a dor: sofrendo heroicamente
quase sempre sem receber a herança prometida.

Muitas vezes aos olhos só resta chorar
do mesmo modo em que se enxerga a luz:
com naturalidade, mas sem certeza da dor;
da dor que virá para nos comover.

Porém a dor que virá pode ser somente
aprendizado para aceitar o que nos eleva
nos pondo no mesmo patamar de Deus:

O amor – essa chaga sagrada nas palmas
das nossas mãos – é feito dessas tristezas
que, muitas vezes, o coração não suporta
mas que são necessárias para se viver.

18 June, 2008

O QUE É QUE EU TENHO A VER COM ISSO?

O QUE É QUE EU TENHO A VER COM ISSO?

Sabe, a gente vive achando que não tem nada a ver com o assunto.
Aí é que a gente se equivoca: a gente tem tudo a ver com tudo o que acontece.
É só pensar um pouco: moramos em cidades onde a maioria é incapaz de plantar seu próprio sustento, ou seja, dependemos do campo para a nossa sobrevivência diária.

E não temos a ver com os camponeses?

Vivemos em cidades onde não é todo mundo que consegue produzir solitariamente a roupa que veste.
Ou seja, dependemos de tecelões, fiadores, costureiros.

E não temos a ver com eles?

Vivemos em cidades.

Somos capazes de curar sozinhos nossas doenças?

Será que aprendemos nossas lições sem precisar de professores?
Foi o nosso egoísmo que ensinou o B-A-BÁ?
Será que longas distâncias nós sempre percorremos a pé?
Não precisamos ser levados? Não precisamos dirigir?
Fomos nós que fizemos nossos carros?
Construímos nossas habitações?

Certamente o nosso egoísmo é o que nos move sobre a terra...

Claro, ninguém precisa de casa pra morar, de comida pra comer, de transporte para prosseguir.
Somos capazes de ter tudo isso sozinho, afinal de contas o homem é um animal.
Um animal que se esquece que a grande maioria dos animais depende de outros pra sobreviver...

Será que nem mesmo com os animais temos alguma coisa a ver?


Francisco Guilherme

11 February, 2008

A TORRE

A TORRE

Cada dia mais, reparo o sumiço de uma torre de moinho.
Parece que tudo está se transformando.
Só vejo engrenagens roerem o luar,
levarem embora os sonhos dos amantes.

Parece que tudo está sendo transformado em ventania.
Os antigos abrigos não suportam mais o sol.
O sol mudou.
E sobre nós está um cinza
imperdoável.

Uma luta sem vencedores e retratos, apenas a abstração:
o que não foi e poderia, o que não é nem ficaria.

Eis que vejo o verde ser mudado...
Sobe uma fumaça confusa.
Pessoas achando que é o céu, olham calorosas a fusão
do tempo poluído
com a alma manchada, roída, moída.
Migalhas de um pão sem dono
que o progresso mordeu sem ver o gosto.

O tempo
costurou essa nova praxe nos homens: inconformar-se.
E, desde então, nem a luta foi mais igual ou menos violenta.
Mas certa, precisa, como um cálculo no sol;
uma semente no poente.

A luta foi a propagação dos sonhos
na estrada de uma paz estilizada,
onde mártires adormecem com suas liberdades
e destinos.